Houveram muitos grandes homens no final do século
XIX e ao longo do século XX que, se suas teorias tivessem sido levadas a sério,
poderíamos ter dado saltos evolutivos na ciência, quebrado paradigmas e
alterado significantemente a forma como vivemos, produzimos e consumimos hoje.
Abordaremos superficialmente alguns deles ao longo dos próximos artigos desta série.
Ao entrar em contato com suas biografias, suas
teorias, seus trabalhos, suas filosofias e até mesmo nos mitos ao seu respeito,
um novo mundo de possibilidades infinitas se abre. É uma inspiração enorme
olhar para o trabalho destes homens, e mesmo um olhar superficial ainda é capaz
de fornecer muitos insights...
O primeiro que tive contato foi um indivíduo
chamado Buckminster Fuller. Muito conhecido por sua influência na arquitetura,
com a “invenção” da estrutura do domo geodésico. Bucky, como também é
carinhosamente chamado, era antes de tudo um filósofo prático, mas também se
destacou como inventor, designer e escritor.
Apesar de ter sido expulso duas vezes da universidade de Harvard e não ter concluído sua graduação, posteriormente ganhou 47 doutorados honoris causa nas áreas de Artes, Ciências da Natureza, Engenharia e Ciências Humanas. Interessante comentar que ele dizia que preferia “pensar por si mesmo” a engolir o que era ensinado nas escolas...
Apesar de ter sido expulso duas vezes da universidade de Harvard e não ter concluído sua graduação, posteriormente ganhou 47 doutorados honoris causa nas áreas de Artes, Ciências da Natureza, Engenharia e Ciências Humanas. Interessante comentar que ele dizia que preferia “pensar por si mesmo” a engolir o que era ensinado nas escolas...
Após a morte de sua filha, nos anos 30, quase se
suicidou, mas optou por fazer da sua vida uma experiência: queria saber o
quanto um indivíduo pode contribuir para a humanidade. Desde então dedicou-se a
pensar e realizar.

Em seu livro “Utopia or Oblivion”, Fuller
inclusive apresenta resultados e cálculos que mostram como seria uma sociedade
que levasse a sério a promessa da tecnologia que comentamos no primeiro artigo
desta série, sobre a humanidade se livrar do trabalho enfadonho. Segundo este
livro, as pessoas contribuiriam com trabalho árduo até uns trinta anos, período
após o qual estariam livres para contribuir de forma mais criativa, como
filósofo, inventor ou artista.
Fuller via que o homem, até então vinha competindo
por recursos, mas que agora não mais era necessário, que a colaboração era a chave para a sobrevivência. Bastava administrar
sabiamente os recursos naturais mundiais. E esta administração, segundo ele,
viria de uma ciência capaz de antecipar os problemas da humanidade e usar nossa
capacidade racional, criativa e tecnológica para ter as soluções a tempo, que
ele chamava de “Comprehensive Antecipatory Design Science”.
A revolução através da engenharia, “Design
Science Revolution”, levaria em conta o princípio da efemeralização (ephemeralization),
que constituía em perder-se mais tempo e “quebrar mais a cabeça” na etapa de
projeto, e cada vez conseguir fazer mais com menos. Muito desse insight
de Fuller acabou realmente ocorrendo, e hoje fazemos de fato mais com menos,
tecnologia mais poderosa, menor e mais barata, e este princípio mostrou-se uma
tendência natural da evolução tecnológica, mas isso não ocorreu seguindo a
filosofia de Fuller. Hoje a tecnologia evolui tão rápido que os produtos são
fabricados com obsolescência programada somente para rodar a roda do
capitalismo e manter o lucro. Na visão de Bucky, esta efemeralização deveria
ser com o objetivo primário de se economizar os recursos naturais e energia,
buscando a máxima eficiência e sustentabilidade em todo o processo e todo o
ciclo de vida de um produto, que, segundo sua filosofia, deveria ser de vinte e
cinco anos (algo bem razoável para a época) inclusive para que as gerações
pudessem se adaptar harmoniosamente às mudanças. Fuller não concordaria com a
quantidade de desperdício do sistema capitalista, que só fez aumentar desde sua
época. Bucky foi um dos primeiros a preconizar um mundo de energia renovável e
limpa, e, sobre a questão petrolífera, citava François de Chardenedes de que
sob o ponto de vista de custo de reposição do nosso “orçamento energético
natural” [1], o petróleo custava à Natureza 300 mil dólares por litro, e seu
uso como combustível para transporte representava um grande prejuízo, ou seja,
uma despesa maior que a receita em termos energéticos naturais. [2] “Não há uma
crise energética, há uma crise de ignorância”, dizia.
O principal sobre Bucky era que, embora fosse bem
voltado para a tecnologia, a manufatura, a engenharia, etc, era um exímio
observador da Natureza. A Natureza aparece, desde o início da sua carreira,
como a grande mestra onde o Homem deve se inspirar. Neste sentido, Fuller segue
o caminho já iniciado pelos antigos gregos, na escola pitagórica e platônica,
nas quais a geometria é o princípio de tudo. Os conceitos geométricos estudados
por Fuller têm sobrevivido ao seu criador de forma inesperada: a estrutura
biológica dos vírus, dos quasi-cristais e dos fulerenos [3], que inclusive foram nomeados
em sua homenagem, demonstram bem que Bucky soube interpretar os fundamentos
geométricos da natureza, para além do que talvez ele mesmo pudesse predizer.

“O eternamente regenerativo Universo é sinergético. Os Humanos foram incluídos neste projeto cósmico como coletores-de-informação e resolvedores-de-problemas locais para ajudar a integridade do sistema auto-regenerativo eterno 100-por-cento-eficiente do Universo. Para ajudar na sua função cósmica os humanos receberam suas mentes com a qual poderiam descobrir e aplicar as leis gerais que governam todos as omniinteracomodativas, incessantes intertransformações físicas e metafísicas do Universo.”
Assim era Fuller, inventava suas próprias palavras,
e, como os outros grandes homens que vamos abordar aqui, percebiam que o homem
avançaria mais aprendendo com a Natureza, sendo parte da mesma, e não sobre
ela, apartando-se da mesma. O homem deveria aprender com o intuito de trabalhar
com a Natureza, e não contra ela [4], e que a minuciosa
observação era necessária para que se chegasse aos princípios primários, que
regem todos os fenômenos, para que se compreenda profundamente como ela
funciona e possamos imitá-la em sua perfeição nas nossas realizações.
A sinergética de Fuller me fez refletir sobre a
entropia... Afinal, se todas as atividades humanas são entrópicas, será que a
Natureza é mesmo entrópica? Ou será que é 100% eficiente e auto-regenerativa,
como diz Fuller? E se, através da sinergética natural, consegue ser 100%
auto-regenerativa, não implicaria a sinergética a existência de uma espécie de
entropia negativa, ou negentropia, um vetor oposto a entropia, que se
encarregaria de fechar o ciclo, de tornar reversível os processos entrópicos?
Não seria essa entropia negativa o vetor no qual poderíamos desenvolver nossa
tecnologia, ao invés do entrópico? [5] Viemos, ao longo do último século,
aprendendo alguns princípios físicos, mas, se olharmos mais atenta e
profundamente, vencemos a Natureza mecanicamente pela força bruta, e
talvez haja ainda muitos princípios mais profundos e mais holísticos a serem
descobertos, princípios estes que nos dariam a sabedoria de trabalhar a favor
da Natureza, aumentando sua auto-regeneratividade, quem sabe, para além dos
100% (se é que Ela não ultrapassa este limite por si só). Afinal, geometrizando
o nosso pensamento, se a simetria é um princípio universal, como haveria a
Natureza de se mover ao longo de um único sentido, o entrópico? Como explicar,
dessa maneira, a criação de um Universo tão ordenado e sistêmico, os
ecossistemas e a complexidade das formas de vida, se a única tendência fosse ao
caos e à desordem?
De fato, a filosofia de Fuller pode nos tirar do
pessimismo e da depressão, inaugurando aqui no nosso espaço as primeiras linhas
gerais do Paradigma da Abundância, em contraposição ao Paradigma da
Escassez de Roegen-Malthus comentado no artigo anterior.
Notas:
[1]
essencialmente
a “receita” energética solar. Toda a energia da terra vem do sol. Se a
extraímos na forma de potencial hídrico, represando as águas, se a extraímos
através do vento, ou se a extraímos em forma de combustíveis fósseis, em última
instância estamos extraindo energia solar que foi absorvida pela terra.
[2]
O petróleo nada mais é do que energia solar acumulada absorvida por processos
orgânicos e acumulada como fóssil ao longo de bilhões de anos, segundo a teoria
mais aceita. Há um cenário ainda pior, o da teoria de Gold, de que todo o
petróleo teria se depositado quando a terra esfriou. Uma terceira teoria diz
que o mesmo é constantemente criado, mas não há provas disso. De qualquer
forma, excluindo-se a última teoria, gastar a energia acumulada em bilhões de
anos em alguns minutos, é uma loucura. Se energia fosse literalmente “dinheiro”
(o que de fato, conforme a teoria que desenvolveremos, o é), nenhum ser humano
em sã consciência faria isso.
[3] a terceira forma alotrópica do carbono
puro, para além do diamante e da grafite,
excluindo o carvão, que é amorfo
[4] Esta postura de querer vencer a natureza,
dominá-la é a atitude Baconiana enraizada no patriarcalismo bíblico. Desde a
antiguidade, os objetivos da ciência tinham sido a sabedoria, a compreensão da
ordem natural e a vida em harmonia com ela, “para a glória maior de Deus”, “para
fluir na corrente do Tao” como diriam os chineses, ou seja, uma atitude
integrativa, feminina, yin, ecológica. Desde o século XVII, quando Francis Bacon
descreveu o método empírico da ciência, esta atitude passou de feminina,
integrativa, a uma atitude masculina, auto-afirmativa, yang, onde a ciência passou a ser
o conhecimento que pode ser usado para dominar a natureza, e hoje ciência e
tecnologia buscam sobretudo fins profundamente antiecológicos. O conceito da
Terra como mãe nutriente desaparece nos escritos de Bacon, e a revolução científica
tratou de substituí-la pela metáfora do mundo como máquina, idéia consolidada
posteriormente com Newton e Descartes. Provavelmente influenciado pelos
julgamentos das bruxas pela igreja católica, frequentes naqueles tempos, Bacon
era da opinião que a natureza, tinha que ser “acossada em seus descaminhos”,
“obrigada a servir” e “escravizada”. Devia ser, “reduzida à obediência”, e o
objetivo do cientista era “extrair da natureza, sob tortura, todos os seus
segredos”.
[5] Embora, enquanto estava apenas
superficialmente analisando a filosofia de Fuller, a negentropia não passou de
um insight, posterioirmente, através de outras leituras, encontramos uma
refrência que nos comprovou que Fuller realmente reconhecia o princípio
negentrópico e o chamava de sintropia.
Fuller, R. Buckminster "Cosmography", page 51. Macmillan Publishing
Company, 1992
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